Ao ascender aos céus, as estrelas e a lua traziam hábitos corriqueiros e sociais a Malhador. Toda a gente dessa terrinha se reunia no entorno da Praça 25 de Novembro para conversar. Falava-se de futebol, de mulheres, de traições, de política, de galo de rinha e todos assuntos imagináveis e inimagináveis. Para dar mais sabor a essas narrativas e reflexões sociais comia-se uma suculenta pipoca de milho feita na hora, na barraquinha de Joelito. Esta, situava-se em frente a Igreja Matriz São José, com sua pracinha de bancos de madeira e calçada com paralelepípedo. Este era um dos cenários em que fervilhavam as discussões sobre as vidas de Malhador.
Mas não era apenas ali o ponto de encontro para essas conversas. Os mais jovens costumavam ir ao Games Lanches, que ficava na Rua José Sá Barreto, outrora chamada Rua Lazareto. Muitos se divertiam e até brigavam jogando vídeo game. Mas logo que os ânimos se exaltavam, vinha Romério e apaziguava. Filhinho, titio não gosta de briguinha não. Facilite coração. Lá, aprendíamos a nos relacionar em sociedade. Era a nossa grande escola da vida.
Um outro lugar que nos enchia de orgulho, de emoção, de amor a nossa terra, que fortalecia a nossa identidade regional e cultural e que também era frequentado por jovens, adultos e idosos, estudantes ou não, era o Museu Social São José. Nele encontrávamos um rico acervo que contava as histórias das gentes que contribuíram para a construção do nosso Município. As moedas da época em que Malhador ainda era povoado de Riachuelo, as peças enormes e lindas que representavam as inúmeras casas de farinha, os moedores de café pertencentes às classes mais abastadas, os carros-de-boi que materializavam o cotidiano rural da nossa gente, as riquíssimas fotos doadas por seu Raimundo que reproduziam os Festivais do Inhame. Tudo era aberto a visitação. Podíamos entrar e viajar no tempo, construindo no nosso imaginário as Histórias de Malhador, contadas por um riquíssimo acervo, zelado com carinho por Terezinha. Uma nobre herança das ideias e ações do Grandioso Padre Resende e da nossa ilustre gente.
Existiam outros espaços que também eram visitados com frequência, vale lembrarmos da Quadra Municipal de Esportes. Mas dela falarei em outro momento, para não cometer injustiças. Era nesses lugares que a vida era teorizada e discutida. Nos orgulhávamos de tudo isso. Dos nossos conceitos de vida que iam sendo construídos nesses espaços de lazer. Vivíamos o presente, dialogando física e mentalmente com a História, a nossa história.
Em uma dessas noites poéticas, quando o sono e a preocupação com os afazeres cotidianos chegaram, todos se recolheram para suas casas e foram ao encontro de Morfeu. Parecia mais uma noite tranquila, daquelas que os únicos ruídos que se ouviriam eram os dos gatos a namorar nos telhados e dos feirantes saindo madrugada a fora nas mercedinhas para vender os frutos da Nossa Terra nas feiras da Grande Aracaju.
Nessa madrugada fria, que se apresentava tranquila, aconteceu um fato triste e desolador. Parte da nossa alma, do nosso coração e da nossa memória era brutalmente destruída. Foi nessa madrugada que os nossos sonhos se transformaram em pesadelos. Terríveis pesadelos. Ouviu-se o barulho de um caminhão soando às 3 da manhã. Nada de anormal, pois nessa hora muitos feirantes estavam com os motores das suas mercedinhas ligados para as suas viagens habituais. Mas esse caminhão não carregava banana, macaxeira, inhame, jaca, melancia, batata doce ou milho. Nele ia a nossa história, a memória material daqueles que com todo sacrifício construíram o município de Malhador. Nesse triste caminhão as histórias das gentes deste pedaço de agreste eram brutalmente usurpadas.
Um senhor baixinho, gordo, aparentando um 1,60m, segundo alguns oriundo de Moita Bonita, de acordo com outros oriundo de Ribeirópolis, era o responsável por tamanho crime. Ele enxergou no acervo do Museu Social São José um monte de quinquilharia velha. Nesse seu mundo de verdade absoluta, achou-se no direito de livrar-se de tudo aquilo. Segundo esse Padre, aquelas quinquilharias não representavam nada pra ele e para a Igreja. E foi assim, sem consultar a nossa gente, sem consultar aqueles que de fato enxergavam riquezas e valores sentimentais no Museu Social São José, que esse Padre arrogante se desfez da História dos nossos antepassados. De maneira soberba, desumana e desprezível ele destruía nossos sonhos, nossa alma, nossa memória, a nossa História.
Foi a primeira vez que um caminhão não levou os frutos da nossa terra para serem vendidos, levou sim, a alma e a memória da nossa gente.